LarMontessori.com

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Questão da Liberdade

Amigos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo leram alguns livros de e sobre Montessori e tiveram mais dúvidas que certezas. Pediram-me para conversar sobre a realidade das escolas Montessori e eu achei por bem colocar aqui as dúvidas e respostas principais. Espero que lhes seja útil.

Eu possivelmente utilizarei sem perceber frases inteiras dos livros The Montessori Controversy, Montessori: Her Life and Work, Montessori: The Science Behind the Genius e talvez de obras de Maria Montessori, que não listarei aqui porque são variadas demais. Peço antecipadas desculpas e em avanço aviso: os louros das explicações abaixo cabem a McNichols, E.M. Standing, Angeline Lillard e Maria Montessori. Possíveis erros, no entanto, devem-se a uma leitura não tão atenta das obras destes pesquisadores, e aí a culpa é minha mesmo.

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A questão da Liberdade:
Possivelmente este seja o conceito de Montessori mais controverso e mal interpretado por curiosos, pais e professores (montessorianos ou não). Alguns sugerem que Montessori é um método militaresco, outros que se trata de um método anarquista. Alguns dizem que há excessiva disciplina em sala, outros que é um sistema livre demais. É evidente que a verdade não se encontra em nenhum dos extremos, no entanto não está simplesmente no meio do caminho entre o militaresco e o anarquista.

Um método que se baseia na observação científica não pode pressupor que o professor intervenha o tempo todo no desenvolvimento do aluno, pois seria como adicionar novos elementos a uma experiência de laboratório enquanto o processo se dá. Para que cada criança possa ser compreendida em sua totalidade, e assim ser bem orientada, é necessário que ela possa se manifestar livremente o suficiente para que o professor/observador/pesquisador (um educador Montessori é tudo isso) possa constatar que caminho deve ser tomado com aquele ser em formação, com todas as suas idiossincrasias.
Há que se atentar, portanto, para dois tipos-chave de comportamento, que determinarão o nível de intervenção do professor. A criança pode estar a desenvolver dois grandes tipos de atividade: atividades edificantes ou atividades não-edificantes.


  • Atividades edificantes: são aquelas que, de alguma maneira, contribuem para o crescimento intelectual, social ou emocional do ser em formação. Em uma escola Montessori, são as atividades propostas com os materiais, ou atividades que a própria criança desenvolva mas nas quais se perceba, via observação, que há um engajamento do pequeno humano.
    • Por ter passado anos observando as crianças na lida com os materiais, Montessori prevê muitos dos usos edificantes deles. Por isso é possível saber muito rapidamente se a criança está a desenvolver alguma atividade ou se se trata de brincadeira somente. A brincadeira tem lugar no método Montessori, mas tem lugar e tempo apropriados.

  • Atividades não edificantes: à parte da brincadeira, que não tem nada de mau em si mesma, algumas crianças, que geralmente estão há pouco tempo numa escola Montessori e que foram de alguma maneira mimadas ou negligenciadas pelos pais, exercem atividades que causam danos a si mesmas, ao ambiente ou a outras crianças.
    • Em caso de atividades que causem dano ao ambiente (destruição de materiais, utilização inadequada dos mesmos ou atitudes socialmente inadequadas), o professor deve "ensinar ensinando, e não corrigindo", de maneiras que Montessori explica em seus livros, o professor não corrige a criança levando-a a se tornar inativa ("não faça isso!", "pare!","quieta!","chega!"), mas sim de maneira a engajá-la em algo digno de seu tempo e vontade, sugerindo uma nova atividade, que a ela interesse e a que ela queira se dedicar com afinco. A atividade ideal é descoberta via observação científica.
    • O bem-estar social da sala também é parte importante do método, e se uma criança atrapalha o bem-estar social da sala inteira, ela terá de deixar de fazê-lo, em nome de todo o grupo. O professor deve, para isso, engajar a criança em alguma atividade de seu interesse, ainda que ela não esteja prevista nos materiais. Primeiro se resolve o problema de toda a sala, em seguida resolver-se-ão as dificuldades daquela criança específica.
    • Em caso de atividades que causem dano ou perigo a si mesmas ou a outras crianças, o professor pode ultrapassar alguns limites pedagógicos e até impedir a criança fisicamente de realizar a atividade. Afinal, pode se tratar de uma perna, um dedo ou uma vida em perigo, e então o cuidado ultrapassa a ciência.


No caso de o aluno estar a exercer algum tipo de atividade edificante, não importa quão lentamente ele esteja evoluindo, o professor não deve interferir. A interferência deve vir somente caso a criança cause dano a si mesma ou ao grupo, via atividades que não a farão crescer de nenhuma maneira.

O professor deve, sim, estudar a criança em profundidade, para saber a hora certa de apresentar um novo material ou um novo conteúdo. Há de se perceber a manifestação externa dos anseios internos da criança e, a partir dela, decidir-se qual material ou conteúdo levar para o pequeno ser. Isto tudo é ensinado em bons cursos de formação de professores Montessori e nos livros da autora. O professor deve ser bem preparado e decidir tudo com base na ciência e na observação.

Crianças trabalhando em sala de uma escola Montessori.